sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Reflexão sobre o 1º módulo de formação

"A finalidade da aprendizagem é o crescimento, e as nossas mentes, ao contrário dos nossos corpos, podem continuar a crescer enquanto nós continuarmos a viver."
Mortimer Adler

 Foi com base nesta ideia que aceitei o desafio de alargar os meus conhecimentos num referencial tão importante para a minha missão enquanto professora – o “novo” programa de Português para o ensino básico. Coloquei o novo entre aspas porque nos foi dado a conhecer e permitido comprovar, que este documento se postula não como um momento de ruptura face às práticas anteriores, mas como um texto de continuidade, tentando fazer o ajuste entre os níveis de desempenho, os resultados esperados e os múltiplos recursos, consagrando os diferentes contextos de aprendizagem e as novas exigências da sociedade actual.
 O nervosismo que antecedeu o primeiro módulo de formação foi grande até porque já tinha tentado antecipar o que poderia vir a acontecer. Sempre que pensava no assunto duas ideias me surgiam: iniciativa de louvar, uma vez que os professores foram consultados aquando do aparecimento da primeira proposta e agora vão receber formação e orientação para que os objectivos preconizados no documento sejam do conhecimento de todos; uma “seca”, visto que estava à espera de me deparar com um texto utópico incapaz de se operacionalizar. Os meus receios dissiparam-se quando, após a fundamentação, contextualização e todo o trabalho apresentado, me deparei com a pertinência, premência e urgência de tal reformulação e, consequente formação. Claro que não posso considerar que seja um programa perfeito, contudo, nunca o poderia ser, uma vez que trabalhamos com indivíduos e estamos condicionados por factores sociais, culturais, regionais, motivacionais, espaciais e temporais. Parece-me, no entanto, que houve um trabalho criterioso no que se refere à fundamentação e contextualização do documento que não apenas auscultou os intervenientes no processo educativo como considerou, como referenciais, os estudos feitos “dentro e fora de portas” e os restantes normativos que regulavam o ensino da disciplina de Língua Portuguesa. Houve boa vontade e interesse em que todas as escolas se pautassem pelos mesmos princípios e directrizes, na tentativa de colmatar algumas assimetrias visíveis até então.
 Perceber o programa como um todo interligado em que a aprendizagem se consagra como um movimento apoiado em conhecimentos e competências anteriores, proporcionando experiências significativas que permitam preparar o estádio ou patamar de complexificação seguinte foi, igualmente, muito gratificante. A metodologia utilizada pelos formadores, permitiu que eu vivenciasse as vantagens de uma abordagem conjunta em que o trabalho colaborativo entre ciclos é uma realidade, uma constante e não apenas uma intenção. Gostaria de referir que a proposta de análise do programa, tendo em atenção os guiões fornecidos, foi bastante interessante, uma vez que “obrigou” a que houvesse uma leitura dos aspectos fulcrais e basilares do texto programático. Independentemente do valor da actividade que nos foi proposta e sobre o qual já discorri, parece-me importante referir que considero que deveria ter havido um maior cuidado dos formadores em transmitir de forma mais clara como seria dinamizada a apresentação dos trabalhos. Aquando das instruções dadas percebi que cada grupo iria definir a sua linha de execução e divulgação. Assim, cada grupo elaborou os seus materiais e traçou a sua metodologia e, chegado o momento de partilhar conclusões, não nos foi possível levar a cabo o plano delineado, uma vez que se optou por um modelo de apresentação em que cada questão era esmiuçada por cada grupo até passar à seguinte. Parece-me que algum trabalho dos formandos não foi considerado ou até conhecido. Concordo que seria enfadonho que todos os grupos apresentassem isoladamente as respostas aos mesmos guiões, contudo, penso que uma boa estratégia (se mo permitem) seria apresentar um guião diferente para cada ciclo a cada grupo. Deste modo, poderíamos aceder a um conjunto mais vasto de informações e conclusões. A discussão em plenário poderia ser, da mesma forma, impulsionada e não me parece que tivesse sido menos oportuna.
Não obstante do supracitado, acredito que muito aprendemos com as conclusões de todos e de cada um. Pareceu-me harmoniosa a forma como nos fomos deparando com os novos desafios, com a reiteração de princípios que já eram parte integrante das nossas práticas, mas que passarão a ser vivenciados num clima de maior autonomia e flexibilização, num contexto em que o professor é tido como verdadeiro agente do desenvolvimento curricular. Que maravilha é ver enaltecido o nosso papel, num de momento de constantes ataques a uma profissão que já foi digna de respeito (“Se não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro”. D. Pedro II), mas que hoje tenta ver a sua idoneidade sobreviver a uma panóplia de difamações que em nada respeita a ética e profissionalismo com que tentamos pautar o nosso trabalho.
 Durante a sessão muito nos foi repetido que o programa valorizava a normatividade da língua portuguesa, o literário como factor de identidade pessoal, cultural e patrimonial e a transversalidade da língua que, sendo idioma de escolarização, está intimamente relacionada com os níveis de proficiência evidenciados nas outras áreas de saber. Daí o intuito de orientar e apoiar o aluno num processo em que o saber se alarga, especializa, complexifica e sistematiza. Foi interessante escutar as práticas dos meus parceiros que cada vez mais se voltam para as competências, para o saber fazer, o saber ser, o saber aprender. Consolidei a ideia de que o professor capaz de despertar a curiosidade, o espírito crítico, reflexivo, argumentativo e participativo dos alunos em muito contribuirá para a formação de indivíduos capazes de mobilizar conhecimentos. Na partilha com os de mais reconheci angústias, fragilidades, condicionalismos (até mesmo no que se reporta à ilha em que cada um lecciona) e percebi que, mesmo não fazendo milagres, e com os meios que nos são dados, temos que querer sempre mais e ter força para perceber, mesmo nas adversidades, que se falharmos estaremos a “roubar” ao aluno a oportunidade de conhecer outra realidade, de ampliar o seu horizonte, de aceder ao metaconhecimento, que é a ferramenta principal para a evolução da humanidade.
 Humanidade – Prémio Nobel: parece-me chegada a hora de falar de Saramago! (“…em rigor, a escola, que tão mal ensina a escrever, não ensina, de todo, a falar.” José Saramago) É verdade, confesso que a formadora Serafina queria espicaçar-nos, fazer-nos reflectir e porque não pôr em causa as nossas práticas e, para mim, nada melhor do que esta “provocação”. E lá fui eu confrontada com as minhas fragilidades no que respeita ao trabalho efectivo da oralidade na sala de aula, não apenas num clima de espontaneidade, mas de competência que deve ser trabalhada, experimentada, praticada e avaliada como um domínio rigorosamente programado por conteúdos. É verdade que o anterior programa já colocava esta competência ao nível das restantes, contudo, faço parte dos docentes que no estudo apresentado pela Drª Arminda, confessaram não se sentir tão à vontade a trabalhá-la. A verdade é que sempre lhe reconheci valor, mas na prática sempre ficou um pouco para trás. Como dizia uma colega no fórum “ o objectivo é termos alunos cada vez mais bem-falantes, activos, críticos e autónomos, independentemente da herança sócio-cultural que cada um trouxer. Penso que a minha lacuna não se situará tanto ao nível do tratamento da Oralidade como domínio, mas sim a frequência com que o faço e a pouca diversidade nos instrumentos de avaliação que utilizo. Dou por mim sem saber muito bem como avaliar, especialmente, a expressão oral. Em departamento curricular temos discutido o assunto, mas a conclusão é sempre a mesma: precisamos de orientação, de formação. Todos os anos, sempre que nos é solicitado superiormente a sugestão de temas para formação contínua, colocamos lá a tão desejada formação, mas nunca nos foi concedida. Penso que agora, com o dinamismo dos fóruns, com a partilha de experiências pedagógicas e de alguns materiais e conhecimentos, algumas imperfeições podem ser atenuadas. Para tal, conto também com os formadores e suas sugestões e boas práticas. Foi já uma mais-valia termos sido colocados perante a necessidade de imaginar ou recordar uma actividade de expressão oral bem sucedida em sala de aula. Tanta coisa que aprendi… Nem tudo capaz de ser usado com os meus alunos, mas tudo passível de ser adaptado para eles. Reconheci grande pertinência a alguma das sugestões apresentadas, no entanto, confesso que uma se demarcou pela sua abrangência. Não sei o nome da actividade, mas lembro-me que se referia a um ataque biológico ao qual apenas alguns (número de elementos que compõem a turma) sobreviveram. Os alunos, aos quais era entregue uma profissão, viam-se perante a necessidade de argumentar, emitir opiniões, reformular pontos de vista para conseguirem o “passe” para entrar num bunker. Já experimentei com uma das minhas turmas e funcionou lindamente, reaprendi como se pode ser criativo no momento de lutar pela sobrevivência e quão motivador pode ser para uma criança “convencer” os restantes dos seus considerandos. Trabalhamos, rimos, brincámos e a aula acabou assim: professora, quando voltamos a ter outro ataque? É verdade que muitos condicionalismos estão na base da dificuldade de colocar os alunos a falar na sala de aula, mas, quando motivados os alunos são capazes de surpreender e mesmo o mais tímido se pode revelar. “Relembrei-me” de como o professor tem um papel fulcral em criar situações significativas, em contextos perfeitamente identificados e com recursos e abordagens variadas que levem o aluno a atingir os resultados esperados. No que me diz respeito, comprometo-me a não voltar as costas à oralidade… espero que tudo e todos me ajudem. Como referi, este momento da formação trouxe-me muito de novo, no entanto, foi também um momento que me causou algum constrangimento. Aquando das instruções dadas para a execução da tarefa, o meu grupo questionou as formadoras no sentido de averiguar se deveríamos apresentar apenas uma actividade bem sucedida ou uma por ciclo. Foi-nos dito que seria interessante uma por ciclo. Começamos a trabalhar e, como de costume, todos reflectimos sobre cada ciclo. Conclusão, não tivemos tempo para realizar todas as tarefas que nos foram propostas. Não conseguimos analisar um dos exercícios de compreensão oral. Aquando da apresentação das actividades, verificamos que afinal apenas era necessário apresentar uma por grupo. Não foi trabalho em vão porque aprendemos e trocamos experiências, no entanto, não nos permitiu participar na discussão sobre a outra tarefa, uma vez que não a tínhamos abordado enquanto grupo. Pequenos reparos, eu sei, mas no geral, penso que a actividade dos formadores foi exímia, clara e eficaz.
 Relativamente aos exercícios de compreensão oral que nos foram apresentados para analisar e tecer considerações durante a formação, considero que foram pertinentes uma vez que nos permitiram reafirmar que os manuais não são lei, mas apenas um auxiliar de trabalho que pode conter incorrecções científicas e metodológicas. Percebemos que algo que à partida parecia ter alguns aspectos positivos, no final, se verificou uma armadilha pedagógica em que o aluno nada aprendia. Apercebemo-nos da necessidade de uma programação rigorosa de actividades nesta competência sob pena de “perdermos” o nosso tempo e o dos alunos. Observar, partilhar, reflectir, criticar, mobilizar, modificar, integrar são para mim as conclusões mais evidentes deste momento da formação.
 Grande satisfação tive também, quando percebi que paulatinamente o trabalho oficinal vai conquistando o seu espaço na dinâmica de sala de aula. A este respeito posso apresentar uma experiência de inovação pedagógica que a minha escola está a promover e que tive o prazer de ajudar a fundamentar, contextualizar e implementar (em parceria com outros colegas). Pelo terceiro ano consecutivo estamos a desenvolver outra área curricular não disciplinar: Oficinas da Leitura e Escrita, leccionada por dois professores de português. Nesta aula não são trabalhados, mas sim invocados conteúdos de Língua Portuguesa, uma vez que tentamos que os alunos não conotem a leitura e a escrita como conteúdos dessa disciplina, mas sim com um momento de prazer em que a criatividade, a autonomia e a espontaneidade caminham de mãos dadas. É uma espécie de cantinho da leitura e oficina da escrita, mas numa aula. Resultados? Parece-me que alguns são visíveis: alunos pedem para ler sempre que terminam as tarefas mais cedo nas outras áreas; constatou-se um crescendo significativo na venda de livros na Feira do Livro – Folhas Soltas que dinamizamos anualmente; quando se pede para que os alunos escrevam, parece que a folha em branco os assusta cada vez menos. É também verdade que estes resultados, a par de outros, são mais visíveis quando os alunos chegam ao terceiro ciclo, uma vez que apenas começam com esta disciplina no 5º ano. Claro que os frutos não são imediatos, mas com o tempo eles têm surgido. O facto de aliarmos esta área às TIC, sendo que está maioritariamente apoiada pela plataforma moodle, permitindo trabalhar no computador, em cadeia e praticamente em simultâneo é um dos “segredos” do sucesso. Todos gostam? Não! Contudo a maioria adere facilmente a este desafios virtuais. Como referi, há sempre alguém que continua a não gostar de ler ou escrever, mas a todos é dada a oportunidade de desenvolver essas competências em contextos perfeitamente variados e de aceder a um corpus textual diversificado, multimodal, representativo. Depois de ler o programa, de ouvir os formadores e de partilhar ideias com os meus co-formandos, considero que temos falhado ao nível da variedade de tipologias textuais. Levarei a departamento os conhecimentos que obtive e tentaremos, com certeza, fazer melhor. Não é tão bom? Temos um bónus na carga horária onde nos é possível brincar a aprender sem o receio de não termos tempo para cumprir o programa.
Muitas virtualidades me pareceu apresentar este programa desde que devidamente operacionalizado, contudo, desabafo aqui alguns dos meus receios: tendo em conta que o programa assenta na progressão e continuum, apoiado nas aprendizagens anteriores, mesmo sabendo que não se trata de um documento de ruptura, não será ousado aplicá-lo aos quinto e sétimo anos? Esses alunos estarão preparados para cumprir um programa e uma abordagem de trabalho que não foi preparada e alicerçada? Não seria melhor começar pelo primeiro ano? Levaria mais anos, mas seria, penso eu, mais proveitoso. Os novos manuais escolares estarão atentos ao nosso espírito programático? Aparecerão organizados por ciclo? Cairão na tentação de apresentar propostas de anualização quando a mesma deve atender à especificidade dos alunos com os quais trabalhamos? Poderá a constituição das turmas ser um entrave a uma implementação efectiva do novo programa? Como poderemos gerir um ensino oficinal, um trabalho efectivo e reflexivo sobre a oralidade, entre outros, numa turma de vinte e cinco alunos? Qual será a receptividade do departamento curricular à mudança, à actualização das práticas, a esta nova experiência? Será a política educativa capaz de investir na educação de modo a viabilizar a efectiva introdução das TIC ao serviço do ensino do português? A ver vamos…

Trabalho realizado por Sandra Patrícia Pereira   15/Novembro/2009

Sem comentários:

Enviar um comentário