domingo, 18 de abril de 2010

Reflexão sobre o terceiro módulo de formação

"Pouco conhecimento faz com que as pessoas se sintam orgulhosas. Muito conhecimento, que se sintam humildes. É assim que as espigas sem grãos erguem desdenhosamente a cabeça para o Céu, enquanto que as espigas cheias a baixam para a terra."
                                                                                                                                          Leonardo da Vinci

 Janeiro chegou pé ante pé e as dúvidas e expectativas começaram a espreitar timidamente. A vontade de aprender era imensa! Esperava um encontro repleto de discussão, reflexão, opinião, partilha; ingredientes para ajudarem a trabalhar o diamante em bruto que é esta aprendizagem de novas práticas, esta tentativa de questionar as nossas certezas, de nos distanciarmos de nós, de nos reorganizarmos, de crescermos…
As sessões sucedem-se e, cada vez mais, a expressão de Socrates “só sei que nada sei” ganha sentido. Sinto que, à medida que vou adquirindo conhecimentos, a dúvida ganha corpo e avoluma-se. Tantas são as crenças que caem por terra e as ideias que paulatinamente vão reclamando o seu espaço. Que ano este! Que turbilhão de sentimentos e pensamentos! O terceiro módulo de formação não seria excepção e, mais uma vez, chegou o momento de reflectir sobre o legado que nos foi deixado, o presente que construímos e o futuro que preparamos.
A LEITURA…! Que vontade de conhecer mais, de fazer melhor por um prazer que nos permite soltar as amarras e ver para lá do horizonte; que promove o contacto com o mundo, com o longe e o perto, com o novo e o antigo… que nos proporciona o acesso às mundividências e às mundivivências. Assim, o meu gosto pela literatura, por toda uma herança cultural que nos foi deixada nos livros, fazia fervilhar a minha curiosidade! E a vaidade, o orgulho e a satisfação que senti em saber que este programa nos vê como gestores de aprendizagens; nos liberta do óbvio; nos prenda com a possibilidade de perceber os nossos alunos, os seus gostos, os seus interesses, as suas carências; nos permite desformatar as leituras; nos instiga a sermos nós ao serviço dos nossos “pupilos”; nos permite operacionalizar em contexto, articulando, magistralmente, Projecto Educativo de Escola, Projecto Curricular de Escola e Projecto Curricular de Turma.
Dotar a leitura de pertinência, de funcionalidade, de significação, propicia o nascimento do prazer de ler, do gosto por saber e a necessidade de conhecer. Grande é mais esta responsabilidade, esta necessidade de fazer emergir a vontade de ler, ensinar a ler e manter o gosto voluntário de ler. Na minha opinião é esta mesmo a ordem… antes de saber ler é fundamental ensinar a gostar de ouvir ler; é crucial “viciar” a criança, fazer com que sinta a falta da “historinha”; é primordial espicaçar a curiosidade e fazer despertar a vontade de aprender “as letrinhas” para poder ler sozinha. Como tal, o papel dos pais é capital nesta fase de reconhecimento e valorização da leitura. Reside nisto, parece-me, uma das grandes fragilidades com que temos que nos deparar, uma vez que muitas das famílias, umas por negligência outras por desconhecimento, não acompanham convenientemente os seus filhos, não os ensinam a viver com os livros, não lhes possibilitam o acesso rápido e eficaz aos materiais escritos. Quantos dos meus alunos referem que os únicos livros que possuem são precisamente os manuais escolares? Atendendo a esta situação e à necessidade de mudar mentalidades e de criar hábitos desde cedo, delineei, juntamente com outra docente do meu departamento, uma actividade de sensibilização dos pais para a importância da leitura e do livro. Será dinamizada no final do ano lectivo e contará com a presença dos encarregados de educação das nossas turmas que, por um lado, assistirão a uma pequena apresentação do Plano Nacional de Leitura e das propostas que o mesmo apresenta para os pais e a uma breve palestra sobre a pertinência desta competência para o sucesso nas restantes áreas do saber. De seguida serão prendados com algumas leituras dramatizadas, declamações musicadas de pequenos textos, entre outros; sendo que os pais também aceitaram apresentar uma pequena peça de teatro para os filhos; pretendem surpreendê-los e mostrar-lhes que, também para eles, a literatura é uma forma de evasão, de expressão. A ver vamos como corre! Após uma breve exploração do Guião de Implementação do Programa – Leitura verifiquei, com apreço, que iniciativas deste cariz estão perfeitamente legitimadas e enquadradas nas orientações veiculadas pelo novo programa (GIP - Leitura, págs. 39 e 40). A mediação não pode ser no entanto relegada apenas para os elementos que se movimentam no seio familiar. Cada vez mais a união de esforços, o trabalho colaborativo entre a escola e a família deve ser uma realidade pela qual os professores se devem debater.
Ao professor cabe então a tarefa de ensinar, mediar e arbitrar grande parte do contacto com os livros e com a leitura. Uma cultura literária refinada do professor, influencia e determina a cultura literária do aluno. De que vale termos alunos criativos, se não têm cultura? Como refere Joseph Joubert “Quem tem imaginação, mas não tem cultura, possui asas, mas não tem pés.” Logo, estas duas premissas devem aparecer conjugadas sob pena de não trabalharmos para a excelência, para o cidadão completo. O contexto em que o aluno se insere, e que pode ser perfeitamente moldado pelas vivências e práticas escolares, constituirá sempre um dos factores a ter em conta no processo de interacção do leitor com o livro. Cabe ao professor criar experiências de aprendizagem, significativas, desafiadoras e diversificadas, motivando os alunos e conduzindo-os a patamares de maior complexidade e, consequentemente, à eficácia leitora. Ao conviver com uma grande variedade de textos escritos, os alunos interiorizarão múltiplas estruturas textuais, alargando a sua competência discursiva e textual quer do ponto de vista da compreensão como da produção, contudo o texto literário, na sua condição de legado de um vasto património histórico e cultural, nunca deve perder a centralidade na aula de português.
Parece-me que, atendendo aos resultados do estudo PISA, a diversidade textual ainda não está consagrada nas nossas práticas. É notória a tendência que temos para trabalhar textos narrativos, relegando para segundo plano as abordagens aos textos informativos, instrucionais e dramáticos. Confesso que eu própria me revejo em todos que assim têm procedido. Nas minhas aulas nunca deixei de trabalhar várias tipologias textuais, no entanto, o narrativo sempre foi rei. Se trabalho? Claro! Se o faço sempre bem? Nem pensar… Com este aprendizado tantos são os vícios que vou detectando, tantas são as arestas que vou limando! A partir da reflexão e partilha, este momento da minha carreira tem sido acompanhado de algumas dissoluções e novas integrações.
As experiências têm-se sucedido e os alunos têm correspondido de forma muito positiva. A crescente tomada de consciência do papel da leitura na relação com o outro e com o mundo tem revelado que os alunos não são avessos à leitura, consideram-na, por vezes, um processo complexo que, se não for alvo de múltiplas abordagens, se poderá postular como muito penoso. Não mais poderemos pautar a nossa actuação pelo óbvio, pelo convencional, cada vez mais o professor deverá desenvolver a sua criatividade de modo a motivar os alunos, a implicá-los na construção de sentidos e na complexificação do diálogo com as leituras até então realizadas e no alargamento a novas exigências, de modo a aumentar a sua proficiência enquanto leitor crítico.
Verifico que, também na Leitura, o programa não reivindica uma ruptura com os anteriores documentos que norteavam a prática docente, trata-se de um texto de continuidade em que a tónica não está na mudança de actuação, mas sim no reforço do muito que já se faz bem, mas que ainda aparece timidamente nas aulas. O Guião de Implementação do Programa – Leitura é uma mais-valia, uma vez que nos permite delinear actividades e estratégias condizentes com o que figura no texto programático e com o que poderá vir a conduzir os alunos ao sucesso. Duas das tarefas propostas no documento citado despertaram a minha curiosidade imediata, tendo sido implementadas nas minhas turmas de sexto ano, a saber: Roda dos Livros e Círculos de Leitura. As mesmas foram ajustadas à individualidade dos meus alunos, à sua realidade e ao contexto em que se inserem. A Roda dos Livros é uma actividade dinamizada no final de todas as aulas e adoptou o nome de “As escolhas de…”. Para cada aula, um aluno fica incumbido de apresentar uma leitura que lhe agrade: um livro, uma revista, uma proposta sua para o resto da turma. Esta actividade tem sido bastante interessante, uma vez que ninguém melhor do que as crianças para saber o que elas gostam de ler, o que lhes desperta a curiosidade, o que lhes aguça a vontade de ir mais além. Por seu lado, quem apresenta gosta de fazer um brilharete e mostrar a sua mestria na arte de apresentar, gosta de se sentir admirado e reconhecido pelas suas escolhas e pelo seu pendor enigmático e misterioso no momento de cativar a atenção da turma. O Círculo de Leitura foi implementado uma única vez, no entanto foi bastante profícuo. Permitiu atender às características de cada aluno, às suas preferências e ao seu patamar de desenvolvimento, assim como fomentou o espírito de equipa, interajuda e criatividade. Os alunos apropriaram-se da actividade, sentiram-na como sua, propuseram novos papéis. Será sempre uma proposta a repetir, quer pelo valor formativo que lhe reconheço, quer pela motivação e entrega que os alunos manifestaram ao dinamizá-la.
A apresentação de modalidades e processos de leitura diversificados é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento do gosto e da eficácia na leitura, sendo que a biblioteca escolar pode ser de um valor acrescido para a formação de leitores proficientes. Como tal, este tem que ser um espaço dinâmico e vivo em que os alunos sejam chamados a intervir, a fazer, a criar, a partilhar, a reflectir, a mobilizar… É aqui que se encontra uma variedade de recursos que devem ser utilizados em contexto de leitura, quer em actividades orientadas quer em leitura livre e recreativa. Inequivocamente, postula-se como o local de referência em que a leitura se cruza e se fortalece com o recurso às novas tecnologias, às recentes possibilidades que o progresso nos ofereceu e que permitem que o nosso pequeno “mundo” perca fronteiras e desconheça limites, globalizando o conhecimento e a cultura. No Egipto, as bibliotecas eram chamadas ''Tesouro dos remédios da alma''. De facto é nelas que "se cura a ignorância, a mais perigosa das enfermidades e a origem de todas as outras", como referiu Jacques Bossuet. Também na biblioteca a variedade, a diversidade e a qualidade são palavras de ordem. Penso na biblioteca da minha escola e imagino o longo caminho a percorrer para a equiparmos com sucesso. Para tal, é de reconhecer a pertinência da associação ao Plano Nacional de Leitura e a criação do Plano Regional de Leitura. Estas parcerias serão cruciais, dada a qualidade das actividades propostas, assim como a observância dos critérios a ter em conta para a selecção do corpus textual preconizado pelo Novo Programa de Português e que já se encontra consagrado na selecção das obras que integram estes dois planos. A possibilidade de recorrer a livros digitais é também uma mais-valia para poder confirmar a diversidade e a pluralidade de materiais escritos de qualidade elevada. Espero que possamos trabalhar e que consigamos resultados que nos deixem orgulhosos dos nossos alunos e, consequentemente, de nós.
 Gostaria de terminar a reflexão sobre a competência da leitura com uma afirmação de François Fénelon que parece resumir o meu sentimento “Se em troca do meu amor à leitura me dessem todos os tronos da terra, recusaria sem vacilar”.


Terminados os trabalhos sobre a leitura, passou-se à familiarização e à criação de sequências didácticas. Parece-me que o tempo destinado a este momento da formação foi escasso, uma vez que não permitiu o tratamento mais profundo de um documento revestido de tanta importância no seio do novo programa e que nos permitirá planificar e uma forma mais precisa e concreta. Muitas são as dúvidas que ainda persistem e espero poder esclarecê-las no próximo módulo. Não me parece profícuo deixar pontas soltas no processo que nos permitirá atingir uma menor dispersão, que nos possibilitará trabalhar as competências em articulação, consagrando-lhes um espaço próprio, ora focando uma ora focando outra, num registo de complexificação e progressão. A competência foco, definida pelo produto final, será auxiliada pelas competências associadas que permitirão um trabalho sistematizado e proficiente. Abandonando o ensino centrado nos conteúdos, enaltecendo os descritores de desempenho e o saber-fazer, necessitamos de ver cada sequência como o ponto de partida para uma outra de modo a seguirmos uma lógica assente em patamares de desenvolvimento em que mais importante do que aquilo que pretendemos ensinar é aquilo que queremos que o aluno seja capaz de fazer. Tal como a leitura se alimenta de outras leituras, também as sequências se alimentarão de outras sequências e o nosso cansaço se alimentará dos resultados atingidos. Não será fácil mudar mentalidades, contudo acredito que o facto da minha formação enquanto professora preconizar o ensino pelas competências me permita olhar em frente e facilite a aceitação das mudanças que também ajudarei a vingar. A minha curiosidade tem-me levado a pensar em várias sequências e a experimentá-las com os meus alunos. Algumas delas têm sido bastante pertinentes e revestidas de funcionalidade, noutras, porém, verificou-se alguma falta de sustentabilidade e eficácia. Tenho reflectido e preocupa-me esta minha limitação, uma vez que o novo programa não se compadece com redundâncias; continuarei, assim, a perseguir uma prática que postule a pertinência e a funcionalidade na organização dos documentos de planificação e, consequentemente, na execução e avaliação das actividades delineadas.
Muitas inquietações nos esperam, muito trabalho nos aguarda, no entanto, acredito que o segredo consiste em compreender que o tempo dedicado ao trabalho nunca é perdido, mas sim rentabilizado em prol da evolução e de progressos capazes de nos fazer reavaliar e reformular as nossas práticas.

Trabalho realizado por Sandra Patrícia Pereira  16/Abril/2010

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